meio interestelar

A MATÉRIA QUE EXISTE ENTRE AS ESTRELAS

O que há entre as estrelas? Hoje, sabemos que não existe região alguma no Universo observável que apresente um vácuo perfeito, ou seja, a ausência total de matéria. Ainda assim, o espaço entre as estrelas é mais vazio que o melhor vácuo criado em laboratórios aqui na Terra. Diferentes átomos, moléculas, gases e pequenos grãos de poeira preenchem as enormes distâncias que separam os astros da nossa galáxia e do restante do Cosmos.

Apesar de a maior parte da massa da Galáxia estar concentrada em estrelas (cerca de 90% de toda a massa da Via Láctea), o espaço entre elas não é completamente vazio. Chamamos de meio interestelar o material existente entre as estrelas, principalmente no disco da Galáxia, composto de gás e minúsculos grãos de poeira. Apesar de constituir cerca de 10% de toda a Via Láctea, a maior parte dessa matéria não pode ser observada através de telescópios comuns, sendo necessário o uso do infravermelho e radiotelescópios.

Embora as regiões próximas às estrelas possam apresentar temperaturas extremamente altas, o meio interestelar é frio, com uma temperatura média de aproximadamente - 100 K. Por apresentar pouca quantidade de matéria, a densidade do meio interestelar também apresenta valor extremamente baixo. O gás que o constitui tem uma densidade média de 1 átomo por cm³, isto significa que em um uma região com volume de apenas 1 cm³, encontraremos um único átomo. A poeira interestelar, por sua vez, apresenta densidade ainda menor, sendo possível encontrar uma única partícula de poeira a cada trilhão de átomos no espaço.

A quantidade de gás no meio interestelar diminui continuamente ao longo do tempo. Isso ocorre devido a formação de novas gerações de estrelas a partir do colapso e fragmentação de nuvens moleculares gigantes, que dão origem a aglomerados estelares. No meio interestelar, é possível identificar uma grande variedade de moléculas, como o monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), água (H2O), amônia (NH3), dentre outras. Raios cósmicos, partículas altamente energéticas, também estão misturados com o gás e a poeira do meio interestelar, e existe ainda um campo magnético galático fraco.

No interior de gigantes nuvens moleculares, encontram-se regiões onde há uma alta concentração de gás e poeira interestelar, conhecidas como nebulosas. O gás presente nestas regiões é composto majoritariamente por hidrogênio neutro (H2), que não é luminoso. Entretanto, quando próximo de estrelas muito quentes e massivas, o hidrogênio é ionizado pela radiação ultravioleta dessas estrelas e acaba brilhando através de um fenômeno conhecido como fluorescência. Dessa forma, se o hidrogênio ao redor de tais estrelas for suficiente, ele será visível como a chamada Região HII ou nebulosa de emissão, como a Nebulosa de Órion, localizada a 1500 anos-luz da Terra.

Nebulosa de Órion.
Créditos da imagem: NASA.

A poeira encontrada no espaço é composta principalmente de grafite, silicatos e gelo de água. São formados por grãos de diversos tamanhos, alguns muito menores (da ordem de 1 micrometro) que a poeira existente aqui na Terra, cerca de 10 mil vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo. Há, também, grãos maiores, geralmente rodeados por uma fina camada de gelo e outros materiais, podendo atingir até 0,30 micrometros, cerca de 200 vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo. Essa poeira interestelar, ao circundar estrelas, acaba refletindo a luz proveniente delas, formando um outro tipo de nebulosa, chamada de nebulosa de reflexão, de cor azulada.

Nebulosa de Órion.
Créditos da imagem: NASA.

Se as partículas de poeira forem suficientemente pequenas, elas acabam espalhando (desviando a direção, sem absorver) a luz azul com mais eficiência do que a luz vermelha. A partir disso, há a ocorrência de um fenômeno chamado de avermelhamento interestelar, que faz com que as estrelas pareçam mais vermelhas do que são realmente. Tal processo é muito similar ao que acontece na atmosfera da Terra quando as moléculas de oxigênio, poluição e poeira desviam a luz azul do Sol, fazendo com que ele se torne vermelho ao pôr do sol.

O principal interesse dos astrofísicos em estudar o meio interestelar reside no fato de que é nele onde nascem as estrelas, uma vez que as nuvens moleculares gigantes são abrigo das regiões HII, os chamados berços estelares. Além disso, é no meio interestelar que as estrelas ejetam todos os elementos químicos processados por elas ao longo de suas vidas, em um processo cíclico de reciclagem da matéria. Dentre os pesquisadores brasileiros que se destacam neste campo de estudo, destacamos o astrofísico Amaury Augusto de Almeida e suas pesquisas voltadas à investigação da composição e formação de moléculas complexas em nuvens moleculares, constituição físico-química de cometas e diferentes regiões do espaço interestelar.

Amaury Augusto de Almeida

USP

Possui graduação em Física (1972), licenciatura em Física (1973), mestrado em Astronomia (1976), doutorado em Astronomia (1988) e livre-docência em Astrofísica (2007) pela USP. Tem experiência na área de Astronomia, com ênfase em Astrofísica do Meio Interestelar, Astrofísica do Sistema Solar e ensino de pós-graduação em Astrofísica Molecular (Astroquímica). Foi Chefe do Departamento de Astronomia da USP (2016-2020) e tesoureiro da Sociedade Brasileira de Astrobiologia (SBAstrobio), de 2017 a 2021. Atualmente é professor associado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.